A Itália inaugurou uma usina para a fabricação de etanol a partir de palha de arroz e de trigo. A fábrica também está usando uma espécie de cana encontrada na região, conhecida como cana-do-reino ou cana gigante. Serão 75 milhões de litros do combustível por ano. Ocupando uma área de 15 hectares, a usina, que já está em funcionamento, é a primeira do mundo a produzir comercialmente o chamado etanol celulósico ou etanol de segunda geração, que usa resíduos da agricultura como matéria-prima e pode transformar o mercado de biocombustíveis. O etanol produzido no Brasil é obtido a partir do açúcar do caldo da cana. Já o etanol celulósico pode vir do açúcar presente em qualquer parte das plantas, como as folhas ou o caule, por isso pode ser produzido em qualquer local e com vários tipos de material Usando a tecnologia de segunda geração para extrair etanol também do bagaço de cana, por exemplo, o Brasil poderia aumentar sua produção do combustível em 30% sem plantar um único pé de cana a mais, de acordo com cálculo do CTC (Centro de Tecnologia Canavieira).
Produção vai usar cerca de 270 mil toneladas de matéria-prima por ano - A nova usina está localizada na cidade de Crescentino, no norte da Itália. Ela pertence à Beta Renewables, nascida de uma parceira entre a Biochemtex, do grupo italiano Mossi Ghisolfi, o fundo americano TPG (Texas Pacific Group) e a Novozymes, empresa de origem dinamarquesa que também atua no Brasil. A unidade tem capacidade para produzir 75 milhões de litros do combustível por ano --uma usina convencional brasileira produz de 100 milhões a 200 milhões de litros anuais-- e deve consumir cerca de 270 mil toneladas de matéria-prima por ano. Segundo Sebastian Soderberg, vice-presidente da multinacional Novozymes, que tem 10% da empresa, as usinas que produzem etanol com esse tipo de tecnologia até então não tinham produção anual maior do que 5 milhões de litros, o que encarece o combustível. "Esta é uma nova era. É a primeira usina produzindo etanol em quantidade comercial com base em resíduos celulósico [a palha do arroz e do trigo]", afirma. Como a produção desse etanol pode usar como matéria-prima a palha, o mato ou o bagaço, que seriam resíduos da produção agrícola, Soderberg defende que ela não tomaria espaço da produção de alimentos no campo, ao contrário do que teme a ONU.
Etanol de palha e mato poderá competir com produto brasileiro em bolsas - O executivo não revela o preço exato previsto para o combustível, mas afirma que, com o barateamento obtido com a produção em grande escala, ele será capaz de competir na Europa e em bolsas internacionais em que tanto o etanol brasileiro, da cana-de-açúcar, ou o americano, que vem do milho, são negociados. Para Soderberg, é questão de tempo até que os preços se tornem vantajosos mesmo em comparação com a gasolina, que, ele acredita, passará a custar mais. "Todo o petróleo de fácil acesso já foi encontrado. Agora, ele é procurado em locais mais difíceis [como o pré-sal], então o preço deve começar a aumentar", afirma. Segundo a Beta Renewables, a tecnologia utilizada pela unidade foi desenvolvida a um custo de US$ 200 milhões (R$ 437,5 milhões). O plano é que o etanol seja misturado ao combustível fóssil para abastecer os carros europeus. Na Europa, o etanol pode ser misturado numa proporção de até 10% do volume da gasolina; no Brasil, o percentual de etanol na gasolina é de 25%. Em até 18 meses, o parlamento europeu deverá votar um projeto para instituir, até 2030, a mistura de 2,5% de etanol no combustível que circula na União Europeia. Para Soderberg, caso seja implementada, essa política econômica servirá de garantia para investidores de que o etanol encontrará compradores, o que aumentará o número de unidades como a de Crescentino.
Usina em Alagoas com mesmo tipo de tecnologia será inaugurada em 2014 - Para a pesquisadora da Embrapa Agroenergia Cristina Machado, a nova usina italiana tem um grande significado para o setor. "Uma usina dessas funcionando bem e dando lucro servirá como incentivo a outras empresas investirem também, e será um local onde os avanços em laboratório poderão ser validados". A mesma tecnologia estará presente em uma usina que deverá ser inaugurada no ano que vem em Alagoas. A unidade, da empresa GranBio, terá investimento de R$ 300 milhões e capacidade de produção de 82 milhões de litros de etanol celulósico por ano, usando o bagaço da cana como matéria-prima. O projeto de etanol de segunda geração do Centro de Tecnologia Canavieira em São Manoel (SP) deve ficar pronto também em 2014, mas com capacidade anual de 3 milhões de litros. Nos Estados Unidos, vem sendo montada uma usina com a tecnologia da Beta Renewables no Estado da Carolina do Norte. O etanol de segunda geração não é visto como rival do etanol feito com caldo de cana, já que haveria espaço para os dois produtos no Brasil e no exterior. "Além da questão do seu uso como biocombustível ou como aditivo à gasolina, o etanol pode ser usado como matéria-prima de uma infinidade de produtos", diz a pesquisadora Cristina Machado.
Ela afirma ainda que é preciso lembrar do mercado de açúcar. "Caso houvesse uma quantidade muito grande de etanol de biomassa a um preço competitivo, que suprisse toda a demanda atual, o produtor de cana poderia deslocar uma maior parte da produção para a cristalização de açúcar". "Com o aumento da riqueza e da população, haverá um aumento da demanda por combustível no Brasil. E o país ocupa uma posição única para produzir o etanol de segunda geração", afirma Soderberg. Segundo o executivo, a Novozymes estuda construir uma segunda unidade de produção de enzimas (substâncias usadas no processo de obtenção do etanol) no país, além da que já possui em Araucária (PR). Ele afirma que a indústria de etanol que hoje utiliza a cana poderá se adaptar para produzir e distribuir também o etanol celulósico usando o bagaço da cana.
Etanol de segunda geração leva mais tempo para ser produzido
Tanto o etanol comum quanto o de segunda geração têm origem no açúcar. A diferença é que, enquanto o primeiro vem de açúcares mais simples, que podem ser encontrados em abundância na garapa da cana, por exemplo, o de segunda geração vem da celulose. Essa substância também é um açúcar, mas de um tipo mais complexo e pode ser encontrado em qualquer planta, em partes como as folhas e o caule. Por ser mais complexa, a celulose precisa ser separada do resto da planta e depois ainda quebrada em partes menores, o que adiciona duas etapas ao processo de produção de etanol e o torna mais demorado. "Só uma das etapas dura de 8 a 12 horas, que é o tempo do processo inteiro da produção de etanol de primeira geração", afirma Cristina Machado, da Embrapa. O primeiro passo da produção do etanol de segunda geração é separar a celulose do material que dá a firmeza e a estrutura das plantas, a lignina. Isso é feito num tanque fechado chamado de reator, em que o bagaço e a palha cozinham em alta pressão sob temperaturas de 180°C a 240°C. Depois disso, o material é colocado rapidamente em temperatura e pressão normais. Na usina de Crescentino, a queima da lignina produz a energia para o funcionamento das máquinas. Depois disso, a celulose entra em contato com enzimas, substâncias que agem como tesouras e picam as moléculas de celulose em outras menores, chamadas de glicose. No caso da usina italiana, as enzimas são fornecidas pela Novozymes. A glicose vai para um tanque de fermentação, onde fungos a transformam em álcool.
Fonte: Instituto de Engenharia