Neste texto apresenta-se uma interpretação pessoal do fato de a indústria da construção civil não apresentar um nível de inovação coerente com sua importância relativa na economia do país. Há fatores externos e internos à indústria da construção civil que explicam porque este setor é tímido em termos de inovação. A intenção de utilizar o termo "desinteresse", que aloca responsabilidade ao próprio setor, é uma provocação, com base na crença de que o contexto não melhorará senão através de iniciativas dentro do próprio setor.
Assim, a passividade pode ser interpretada como desinteresse. O setor não promoverá mudanças enfatizando apenas os fatores externos e se lamentando por eles, nem esperando que alguém faça alguma coisa por ele. O mundo está passando por uma rápida transformação. Ainda recentemente, os diferenciais competitivos das empresas eram baseados em fatores quantitativos, como poder econômico e maior disponibilidade de recursos físicos.
Cada vez mais, no entanto, o poder lícito e sustentável das empresas se baseia na sua diferenciação qualitativa. A importância dos ativos intangíveis está sendo cada vez mais promovida diante daquela dos tangíveis. Ativos tangíveis típicos são imóveis, equipamentos e capital.
Entre os ativos intangíveis podemos destacar a imagem e reputação da empresa; a solidez das relações com seus clientes e fornecedores; a qualidade, motivação e lealdade de sua equipe de colaboradores; o conhecimento coletivo compartilhado por esta equipe e as competências que a organização tem para realizar sua missão, isto é, sua capacidade de atender às necessidades sociais que justificam sua existência. Estas necessidades sociais, no entanto, estão em mutação acelerada. Daí decorre uma curiosa reorganização no poder relativo das empresas, passando a privilegiar aquelas que têm uma equipe capaz de se adaptar às mudanças com maior velocidade, em detrimento daquelas que baseiam seu poder nos velhos paradigmas.
Muitos pensadores da atualidade exploram estes temas com profundidade, alertando para a necessidade de rever as organizações com este cenário em mente. A inovação está intimamente relacionada com esta nova ordem, que torna urgente a necessidade de inovar e pensar de forma diferente nas organizações. Isto passa a ser não uma questão de capricho e sofisticação, mas de sobrevivência em médio e longo prazo. Por surpreendente que possa parecer para muitos profissionais da construção civil, não há nada que indique que a inovação não se torne cada vez mais necessária também para este setor. Digo isto desta forma, pois sinto que muitos são resistentes a mudanças, realmente desinteressados em inovação.
Vejo diversas explicações para este fato, mas não aceito nenhuma como justificativa. Estou convicto de que podem ser contornadas, se os atores envolvidos souberem se livrar de pensamentos superados e adotarem uma nova atitude. O primeiro passo para a inovação no setor é inovar em suas próprias crenças. Eu entendo o conceito de inovação na construção civil como sendo mais amplo que o simples aperfeiçoamento técnico da obra.
Da mesma forma como nos ativos, existe, também, a inovação nos aspectos tangíveis e intangíveis. Há, pelo menos, duas dimensões nas quais vejo maior amplitude:
1. Quanto ao nível hierárquico da inovação - O produto em si é apenas a base de uma pirâmide, subordinada a níveis superiores, como os processos de produção das obras e de gestão das empresas; as relações entre as pessoas, sua motivação e atitude; e, no mais alto nível, identidade, cultura, conceitos e crenças que orientam todas as ações e pensamentos de cada empresa.
2. Quanto ao nível de originalidade da inovação - Para uma empresa, pode ser a primeira aplicação de um conceito novo que outras empresas já aplicam. Para o país ou uma região, analogamente, pode ser uma novidade já conhecida em outros locais. Em nível mais alto, encontra-se a inovação de fato, original e única, pioneira no mercado, fruto de criatividade, pesquisa e desenvolvimento, passível de registro de patente.
Os fatores ligados à organização do setor são:
1. O setor é pulverizado, ou seja, existe um grande número de pequenas empresas atuando no mercado. Apenas as maiores têm porte e estrutura suficientes para poderem dedicar-se com eficácia à inovação. Estatisticamente, as empresas maiores têm maior possibilidade de introdução de novidades.
2. O setor promoveu diversas iniciativas louváveis e consistentes, mas ainda não se organizou de forma suficientemente ampla focando o quesito da inovação. Outros setores o fizeram e conseguiram se desenvolver.
Quanto à cultura da indústria da construção civil e de seus agentes, interpreto o que segue:
1. A grande maioria dos profissionais do setor está acomodada e não planeja seu futuro, nem sua própria carreira. A evolução profissional ocorre de forma passiva, em função da experiência adquirida na prática e das oportunidades que se apresentam. Quem não busca ativamente seu próprio aprimoramento, dificilmente perseguirá inovação e melhoria nas tecnologias que usa.
2. A cultura da maioria dos profissionais do setor é baseada em crenças e autodefesas que limitam o seu próprio desenvolvimento. "Deixa comigo que disto eu entendo", "a teoria na prática é outra", "sempre fiz assim e sei que dá certo", "não inventa, isto não vai dar certo", "gosto de coisa forte, não de papelão", "obra é jogo duro", "manda quem pode, obedece quem tem juízo", "sou pé no barro, não sou almofadinha", são frases que tenho ouvido. Para inovar é necessário ser flexível e sofisticar ligeiramente o raciocínio, pensando e liderando de forma diferente. Para tanto, é necessário ter coragem para livrar-se de convicções existentes e, eventualmente, até expor alguma insegurança ou desconhecimento, o que é psicologicamente muito difícil para a maioria dos profissionais do ramo.
3. Ainda hoje, usualmente, o orçamento da construção civil se baseia na análise detalhada dos custos, dividindo a obra em inúmeras pequenas contas, que são as composições de custos unitários. Só no final do levantamento destes inúmeros fragmentos, multiplicados por quantidades físicas, ocorre um fechamento do preço, somando-se a isto o tradicional BDI. Ocorre que, quando calculado seu impacto em orçamento elaborado desta forma, a maioria das inovações se mostra inviável, pois fica restrita a alguns minúsculos fragmentos da obra, fisicamente mensuráveis. Os efeitos da inovação no contexto geral da obra, levando em conta os conceitos mais abstratos como simplificação do canteiro, redução do custo indireto, dos riscos, das interferências, do caos no canteiro, do prazo final de obra com consequente antecipação do retorno sobre o investimento, da motivação da equipe, da qualidade, entre outros, ficam esquecidos, banindo a maioria das boas idéias. É nestes itens que ocorrem os maiores erros e desperdícios, e é neles que vejo o maior potencial de inovação na construção civil.
4. Ainda pior, quando se trata de uma ideia nova, é comum que se apliquem multiplicadores para cobrir as incertezas envolvidas, desestimulando ainda mais sua aplicação. Todos estes fatores se alimentam entre si, sendo simultaneamente causa e efeito uns dos outros, estabelecendo um círculo vicioso que levou grande parte das empresas da
indústria da construção civil, desde empresas de projeto e engenharia até construtoras e subempreiteiros, à perda do seu prestígio e ao empobrecimento, quase ao sucateamento, quando se faz comparação aos tempos áureos da engenharia nacional, em torno da década de setenta.
Os serviços prestados pela indústria foram "comodizados" pelo mercado, os critérios e mecanismos de contratação banalizados. A maioria das empresas, atualmente, está muito enxuta, dedicando-se quase exclusivamente às urgências e à sobrevivência, deixando os temas importantes e estratégicos em segundo plano. Como a inovação ainda é tida como tema importante, não urgente, deixa de ser prioridade. Mesmo diante deste cenário, acho que não nos devemos desencorajar.
Primeiro, porque quem tem um olho em terra de cego é rei, ou seja, por menos que cada um faça em sua empresa ou no seu entorno, pode alcançar resultados relevantes. Segundo, porque nunca é tarde para o setor se mexer. Antes tarde, do que nunca, diz o ditado. E mais: precisamos nos mexer, pois a iniciativa não será tomada por outros que não nós mesmos. Acredito firmemente que os argumentos descritos possam ser enfrentados, um a um, pouco a pouco, na política e em cada empresa e escola, até reverter o círculo e torná-lo virtuoso.
Texto Retirado do Livro Inovação em Construção Civil – Coletânea – 2006, Escrito por Martin Paul Schwark no Texto acima ele descreve percepções e opiniões que se baseiam, principalmente, na experiência pessoal dele enquanto agente neste mercado, pois o mesmo é gestor principal de duas empresas de construção que prestam serviços à iniciativa privada, em segmentos específicos, e também é docente em cursos de engenharia e arquitetura. E pelo contato direto com profissionais, o meio acadêmico e alunos de graduação complementa a base para a análise apresentada.
Este Livro trata dos seguintes temas:
– Golpe na mesmice.
– Projeto Habitacional com Elementos Estruturais e Construtivos Feitos a Partir de Aços Planos.
– Inovação – Porque o desinteresse na indústria da construção civil
– Inovação na Construção Civil
– Sistemática de gestão e coordenação de projetos: a visão da empresa construtora
– Inovação na Construção Civil Brasileira
– Arquitetando o espaço pedagógico-Inovações para além de seus limites
– O papel da educação profissional na inovação tecnológica da construção civil
– Projeto de vedações: inovação na prestação de serviços
– Painéis pré-fabricados gda/labsisco/UFSC – SC
– Uma nova opção para habitação popular
– Programa de redução de despesas de pós-ocupação em conjuntos habitacionais de interesse social
Autor: Ricardo Colider
Fonte: Engenharia é