O Superintendente de Recursos Hídricos da SEMARH/SE, Ailton Francisco da Rocha, divulgou um artigo sobre o atual cenário climático, sobre a disponibilidade de recursos no Brasil e o conjunto de desperdício em nossas técnicas de abastecimento e coleta.
Através destes temas, introduziu o conceito do que intitulou Governança Pública, visando uma solução inovadora dos problemas sociais e criando possibilidades e chances de um desenvolvimento futuro sustentável para todos os participantes. A nota completa pode ser conferida a seguir:
Ainda que o nível de incerteza sobre a magnitude e o ritmo do aquecimento global seja grande, pouca dúvida existe sobre a inexorabilidade da mudança do clima. A preocupação maior está justamente na incerteza e no risco aí envolvidos: nada fazer, e se
deparar futuramente com impactos gigantescos, ou tomar medidas que se mostrem precipitadas, e sacrificar recursos que poderiam ser usados em outras ações sociais e econômicas urgentes. A ciência e a arte do tomador de decisão estão em saber identificar e pôr em prática, com apoio no melhor conhecimento disponível, aquelas opções de políticas que sacrifiquem o mínimo possível de recursos futuros e ao mesmo tempo produzam um máximo de benefícios, com ou sem mudanças climáticas.
Associado a este cenário de incerteza climática, no Brasil 40% da água captada é desperdiçada contra 15% na Europa, 3% no Japão e próximo de 0% em Israel para efeito de comparação, tudo isto agravado pelo desmatamento descontrolado, inclusive em áreas de recarga e a poluição hídrica que comprometem assustadoramente a nossa reserva de 12% de água doce do planeta.
A água é abundante no Brasil, mas é distribuída de forma desigual entre estados e nas bacias hidrográficas. Os valores de fluxo de água médios anuais são de 267.000 m³/s ou 28.000 m³ por pessoa por ano. A disponibilidade per capita de água varia de 1.460 m³
por pessoa por ano no Nordeste a 634.887 m³ por pessoa por ano na região Amazônica.
O consumo de água está subindo, impulsionado pela demografia e crescimento econômico. As captações de água aumentaram em quase 30% nos últimos cinco anos. Como resultado, as tensões têm surgido no acesso ao recurso em algumas bacias e
estados. Em 2010, o equilíbrio entre a oferta e o consumo foi considerado crítico ou muito crítico para 17% dos recursos de água doce do Brasil.
O lançamento de esgoto doméstico é o principal problema que afeta a qualidade das águas superficiais. Segundo o IBGE, 48% do esgoto doméstico é coletado e 39% deles são tratados. Nas regiões do Sul e Sudeste do País, a enorme descarga de água residuária urbana e industrial prejudica a qualidade da água (OCDE, 2014).
Diante deste diagnóstico, o tema GOVERNANÇA PÚBLICA deve ser abordado a partir de cinco perguntas estruturantes: a) o que significa governança pública, qual é a imagem de Estado contida nesse conceito e quais são seus objetivos implícitos? b) Como se traduz governança pública, na prática? c)Existem critérios testados que servem para verificar se a governança pública obteve sucesso ou se fracassou? d) Que consequências e efeitos colaterais apresenta a nova estruturação de relações entre Estado e sociedade em decorrência da governança pública? e) Até que ponto a governança pública será adequada para servir como novo modelo regulatório de Estado e sociedade? (Leo Kissler; Francisco G. Heidemann, 2004).
No presente contexto temático, propõe-se entender GOVERNANÇA como uma nova geração de reformas administrativas e de Estado, que têm como objeto a ação conjunta, levada a efeito de forma eficaz, transparente e compartilhada, pelo Estado, pelas empresas e pela sociedade civil, visando uma solução inovadora dos problemas sociais e criando possibilidades e chances de um desenvolvimento futuro sustentável para todos os participantes (Löffer, 2001:212).
O domínio público da água não transforma o Poder Público Federal e Estadual em proprietário da água, mas o torna gestor desse bem, no interesse de todos. O ente público não é proprietário, senão no sentido formal (tem poder de autotutela do bem), na substância é um simples gestor do bem de uso coletivo.
Buscando o aumento da coerência e consistência entre políticas a direção governamental é muito importante, garantindo que a água seja levada em consideração em todos os planos setoriais e trazendo a discussão desses planos para os colegiados (conselhos e comitês de bacias).
A fronteira entre as políticas de água e ambiental deve ser consolidada. Outorgas de direito de uso da água não podem estar dissociadas do licenciamento ambiental, ecossistemas hídricos, qualidade e quantidade (OCDE, 2014).
A participação dos municípios nos Conselhos Estaduais de Recursos Hídricos e nos Comitês de Bacia deve ser fortalecida, dado seu papel chave no uso e ocupação do solo, gestão de resíduos, licenciamento ambiental local e saneamento (OCDE, 2014).
O fortalecimento da governança no Brasil deve ser, antes de tudo, o engajamento e a qualificação das instituições estaduais – conselhos e órgãos gestores estaduais – e sua melhor articulação com a Agência Nacional de Água - ANA e com o processo nacional de melhoria da gestão da água. Maior empoderamento e qualificação dos órgãos gestores estaduais pode auxiliar para alcançar esse fim, e esses órgãos gestores devem ser totalmente responsáveis pela implementação de todas as decisões. São necessárias medidas para melhorar a capacidade técnica dos órgãos estaduais e o recrutamento deve acontecer em uma base profissional (OCDE, 2014).
O fortalecimento da governança da água não pode ser feito sem a construção de uma administração pública, em todos os níveis, que seja eficaz, responsabilizável e respeitada. Para evitar a "armadilha da abundância", uma visão de longo prazo politicamente apoiada é necessária para dar continuidade às melhorias necessárias.
Descontinuidades nas lideranças e representantes de alto escalão em órgãos estaduais e comitês causam sérios danos a qualquer processo de reforço das instituições de gestão da água em nível estadual (OCDE, 2014).
A construção de amplo consenso em torno de planos e outros documentos de política é muito importante para implementar políticas de água que vão além do mandato dos dirigentes políticos. É necessário o engajamento dos interessados orientado a
resultados. A ampla participação de usuários de água e da sociedade civil organizada é fundamental para alimentar a tomada de decisões e promover uma abordagem por áreas problemáticas. Promover o intercâmbio de experiências em todos os níveis é essencial para aprender a partir de histórias de sucesso, mas também de fracassos (OCDE, 2014).
Deve-se procurar melhor comunicação entre os comitês de bacia hidrográfica e os conselhos estaduais de recursos hídricos e entre os conselhos estaduais e Conselho Nacional de Recursos Hídricos em torno de temas específicos de interesse comum.
Por Ailton Francisco da Rocha, Advogado, Engenheiro Agrônomo e Superintendente de Recursos Hídricos da SEMARH/SE.
Fonte: Associação Brasileira de Recursos Hídricos